sexta-feira, outubro 27, 2006

O que faz da escola, escola (parte 2)

Veja a primeira parte dessa reflexão aqui.

A escola, como dissemos, é local de sistematização de conhecimento, e isso a torna singular entre as instituições produtoras de sentido. Considerando isso como verdadeiro, para analisar a pertinência e a relevância da escola nos dias de hoje precisamos nos perguntar:

1- O que significa sistematizar conhecimento?
Sistematizar é construir categorias de pensamento, montar lógicas de pensamento a partir da seleção/significação da informação recebida. "A escola é a única instituição que faz isso", nos disse em aula o professor Adilson Citelli. No texto Formar o Formador de Leitores, Moacir Gadotti afirma que a mídia informa, mas não produz conhecimento:"As mídias ocupam hoje um papel central na formação. Sedução da mídia (imagens, sons, informações, dados...) e, ao mesmo tempo frustração por ser uma informação seccionada, fragmentada, descontextualizada (não é conhecimento). (...) Tarefa da escola: selecionar criticamente a informação. Formar para ler a informação e, sobretudo, produzir informação e conhecimento. Trabalho de reconstrução a partir do que lhe é ofertado pela mídia. Construir sua própria narrativa." Citelli reafirmou em aula, por outras palavras, a mesma posição. "Não saiamos [a escola] do terreno da sistematização para o da informação. Nesse terreno, não conseguiremos competir com os media".

2- A sistematização deixou de ser importante na sociedade atual?
Não, embora aparentemente possa parecer que sim. No quadro Os três pólos do espírito (1993), Pierre Levy afirma que a passagem do pólo da escrita (típico da sociedade industrial ou moderna) para o pólo informático-mediático (típico do pós-industrialismo ou da pós-modernidade) foi marcada por profundas transformações tecnológicas que, por sua vez, acarretaram mudanças de valores, formas de conhecimento e de aprendizado. Do raciocínio de Levy, destacamos:
A- Os critérios dominantes deixaram de ser "a busca da verdade pela crítica, objetividade e universalidade", sendo substituídos pela "eficácia, pertinência local, mudanças e novidade".
B- As formas canônicas do saber migraram da "teoria (explicação, fundação, exposição sistemática) e interpretação" para a "modelização operacional ou de previsão e simulação."
Nesse contexto, um ensino focado na sistematização pode parecer uma ociosidade – a explosão de escolas, faculdades e universidades de formação pragmática, exclusivamente voltadas para o "mercado de trabalho", não seria um sintoma disso? Por esse prisma, a sistematização de conhecimento não seria um atributo essencial para se viver e se mover na sociedade...
Duvidamos disso – a não ser que aceitemos que o mundo de hoje esteja bom, o que definitivamente não é o caso. Pensamos que cabe-nos fazer a crítica da sociedade atual – consumista, fetichista, mercadocêntrica, acrítica. Defender de um ensino sistematizador é defender um método contrahegemônico, capaz de sustentar valores (por que a educação não é neutra) que se contraponham aos atuais – solidariedade, justo valor, pensamento crítico. Longe de ser algo supérfluo, a sistematização é atributo indispensável para formar sujeitos dotados de capacidade de reflexão e ação autônomas, características fundamentais para a construção desse outro mundo possível.

3- Como deve ser o professor "pós-moderno"?
Gadotti defende que, na sociedade pós-moderna ou da informação (que ele prefere chamar de "sociedade aprendente"), o professor passa de lecionador a mediador de sentidos. "O novo professor é um profissional do sentido. Diante dos novos espaços de formação (diversas mídias, ONGs, Internet, espaços públicos e privados, associações, empresas, sindicatos, partidos, parlamento...), o novo professor integra esses espaços e deixa de ser lecionador para ser um “gestor” do conhecimento social (popular), o profissional que seleciona a informação e dá/constrói sentido para o conhecimento, um mediador do conhecimento. “Gestor” aqui significa construtor, organizador, mediador, coordenador. Não se confunde com “gerente” de uma empresa."

Uma necessária parte 3, ainda por ser escrita, precisa enfatizar necessariamente a linguagem e a lógica escolar, em contraposição com a midiática. Assunto, quem sabe, para a semana que vem.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns pelas críticas e defesas da educação, acredito que os novos caminhos já estão surgindo e para seguí-los basta ter compreensão que não somos os poderosos donos do saber, a tecnologia muito nos ajuda, basta querer reaprender e ouvir os maiores interessados, os alunos.
Profª Maria Clara
blog: http:/aprendizesdobeija-flor.blogspot.com/