segunda-feira, dezembro 01, 2008

Curso em Andaraí – panorama e avaliação

AVALIAÇÃO – ENCONTRO ANDARAÍ (25.10.08)

COMUNICAR PARA MUDAR O MUNDO
Formador: Rodrigo Ratier
Realizada no dia 25 de outubro de 2008 na cidade de Andaraí (BA), na região da Chapada Diamantina, o encontro do programa Comunicar para Mudar o Mundo reuniu 36 educadores da cidade, a grande maioria (30) mulheres. Foi uma baixa considerável em relação ao número de inscritos (81). Ao todo, as duas oficinas tiveram duração de 8 horas, 4 horas cada.
A da manhã, mais teórica, centrou-se na análise de telejornais por grupos de alunos. Atividade bastante proveitosa: boa parte dos conhecimentos sobre linguagem televisiva e discussões do campo midiático (o conceito de imparcialidade, a realidade como edição etc) já faziam parte do repertório dos alunos. Coube ao professor, por meio da proposição de situações-problema, iluminar esses aspectos, interligá-los, contextualizá-los, classificá-los. Em suma, sistematizar o conhecimento já existente e, quem sasbe, introduzir uma e outra informação sobre o debate.
Neste blog, na categoria "cursos andaraí", você encontra a produção dos alunos e a intervenção didática que julgo ser a melhor contribuição pedagógica que pude dar. Também vale dizer que, como linha geral, a estratégia didática foi a de aproximar-me do universo da turma. Sem abrir mão de minha identidade – sou quem sou, branco, paulistano classe média-alta, filho da USP e editor da revista Nova Escola, não faz sentido tentar vestir uma outra fantasia mais popular –, procurei colocar-me como consumidor de mídia, como eles. Emblemático desse espírito foi nossa discussão sobre programas favoritos na TV, que reproduzo abaixo:
– Gente – perguntei –, qual tipo de programa vocês costumam assistir?
– Não costumo assistir TV. É tudo muito ruim.
– Quando vejo, assisto documentários, telejornais ou o que está passando na TV Brasil.
Intervi:
– Olha, eu vou confessar uma coisa a vocês: um dos meus programas preferidos é o Zorra Total. Quem aqui gosta?
Umas poucas mãos, um tanto constrangidas, se levantaram.
– E de A Grande Família, quem gosta?
Aí, sim, sorrisos se abriram, um burburinho indicou um quase consenso. Que mais, perguntei?
– Eu gosto do Chaves!
– Ah, vai, gente, quem aqui não assiste ao Pica-Pau?
Essa estratégia, creio, é fundamental para adequar o discurso à prática, superando a visão de demonização da TV, algo herdado do discurso escolar, para uma relação mais depurada de culpa, em que o espectador maduro se permite assistir a programas de entretenimento – e, principalmente, admitir que o faz sem que isso lhe pareça depreciativo. O reconhecimento de que os meios educam, informam e também entretêm – e de que é lícito utilizá-los para essas três finalidades –, me parece um primeiro passo importante para que haja, em um segundo momento, uma reavaliação da prática: afinal, a que tipo de programas tenho assistido? Dedico meu tempo diante da TV exclusivamente para entretenimento? Que vantagens e desvantagens esse comportamento pode me trazer? Um questionamento como esse não ocorre se o indivíduo estiver operando no nível de simplesmente negar esse tipo de comportamento.
Avaliação de aprendizagem
Para tentar quantificar o impacto de nossa intervenção pedagógica, propusemos que os alunos respondessem a seis questões sobre as seis competências comunicativas estabelecidas por Martinez de Toda (2001, 2002): conhecedor, maduro, crítico, ativo, social e criativo. As respostas foram colhidas em dois momentos: antes do curso, no momento da inscrição, e ao seu término. A dupla intenção do questionário era traçar um perfil inicial do alunado em relação à comunicação e, com o questionário final, verificar se houve mudança em relação à situação inicial – e tentar quantificar de quanto ela havia sido.
Considerei como desejáveis respostas que indicassem “muita competência” ou “razoável competência” em cada uma das questões. Somei os dois índices e converti a soma em uma porcentagem para obter o que chamei de “porcentagem de competência”, estabelecendo como expectativa de aprendizagem ideal que 100% da respostas estivessem nesse nível ao final do curso. O que aparece nas tabelas que vêm a seguir, portanto, é um indicador de um nível adequado de competências em relação à comunicação.
Em termos gerais, verfica-se que o nível de competências desejáveis subiu de 80% na situação inicial para 83,2% na situação final. Esse índice de melhora é compatível a outra iniciativas já realizadas por nós – no curso Comunicar para Mudar o Mundo, na E.E. Costa Manso, realizado durante 13 encontros no ano de 2007, tal índice foi de 5%.

Em termos qualitativos, não considero ser possível avaliar adequadamente devido ao curto tempo de contato com os alunos. Em um intervalo tão pequeno – ficamos juntos por apenas 8 horas –, torna-se difícil observar, por exemplo, uma das características que por diversas vezes aparece na avaliação qualitativa de meus cursos de educomunicação (e que também é comprovada por outros educomunicadores): a melhoria da comunicação interpessoal.
Considere-se, ainda, que falhamos ao não definir formalmente expectativas de aprendizagem antes do curso, o que prejudica não apenas a avaliação, como também a condução das atividades: como saber o que ensinar, no que por mais relevo e como avaliar o que foi ensinado se não se decide o que quer que os alunos, de fato, aprendam?
Avaliação quantitativa – competências por questão
O que vemos na tela de um telejornal:
– É uma construção da realidade a partir das idéias dos envolvidos com o programa (muito competente)
– É uma representação fiel da realidade (razoavelmente competente)

Avaliadora da competência “conhecedor”, a questão mostra que a classe já possuía um bom nível de conhecimento sobre a idéia de “realidade editada” antes do curso. Indica, ainda que o curso teve importante papel na melhoria dos níveis de competência (de 76% para 92%), algo coerente com a ênfase e o tempo dedicado à discussão desse conceito durante os encontros.

Sobre o maior grupo de mídia do Brasil, a Globo, é mais correto afirmar:
– Tem dívidas e tem vários políticos como donos de emissoras regionais, o que prejudica sua independência (muito competente)
– Está endividado e tende a defender o governo porque depende de seus anúncios (razoavelmente competente)

Avaliadora da competência “maduro”, a questão indica reduzido nível de competência quanto ao conhecimento de como as relações políticas e econômicas interferem no que é divulgado na mídia. Embora a questão tenha sido pouco abordada no curso, por isso a melhoria nessa competência específica (de 16% a 24%) supera a média geral.

Qual sua opinião em relação às novelas?
– São produções para divertir, mas temos de ter consciência que elas não informam e não educam (quando educam, educam pouco) (muito competente)
– Podem ser boas para nos divertir – ou ruins, se a gente ficar viciado nelas (razoavelmente competente)
Avaliadora da dimensão “crítico”, a questão indica que os alunos já eram bastante competentes em relação à função de entretenimento das telenovelas. Embora a porcentagem geral de competência não tenha se alterado (manteve-se em 96%), o total de alunos muito competentes subiu 12%.

Quando acho que a TV cometeu um erro e ofendeu os direitos de alguma pessoa, o que faço?
– Escrevo uma carta à emissora dizendo o que penso (muito competente)
– Além de comentar com a família, conto a história da ofensa no meu trabalho (razoavelmente competente)

Avaliadora da dimensão “ativo”, a questão indica diminuição no nível de competência antes e depois do curso (queda de 60% para 56%). Embora tenha havido significativo aumento na porcentagem de alunos muito competentes, a hipótese é que a diminuição no nível geral possa significar uma reavaliação crítica da ação, gerando uma adequação do discurso à prática.

Em relação às opiniões que passam na TV:
– Acho que a TV pode tentar manipular, mas podemos desconfiar e cruzar as opiniões da TV com as da nossa família, amigos, livros e outros meios de comunicação (muito competente)
– Acho que a TV pode tentar manipular, mas se soubermos pensar direito, não somos enganados (razoavelmente competente)
Também avaliadora da dimensão “crítico”, a questão indica novamente alto índice de competência inicial. Mesmo assim, há melhora (de 92% para 96%). Também o índice de muita competência apresenta elevada subida (12%), o que pode indicar uma maior sofisticação das opiniões, que passam agora a considerar a recepção como um processo e não um momento.
Consigo ter a idéia e realizar algum tipo de comunicação (jornal, filme, rádio etc.)?
– Acho eu e meus colegas podemos ter a idéia e realizar qualquer coisa (um anúncio, um texto, um programa de rádio, um telejornal) sem a ajuda de um professor (muito competente)
– Acho que poderia ter a idéia de um filme ou uma cena de novela se outros me ajudarem (razoavelmente competente)
Avaliadora da dimensão “criativo”, a questão apresenta a maior queda no nível de competências desejáveis (de 60% a 52%). A hipótese, aqui, é que o contato com a produção de um programa midiático tenha dado um “choque de realidade” nos alunos, gerando, novamente, uma adequação do discurso à prática.