segunda-feira, março 19, 2007

Para que serve o humor? (3 de 3)

perguntas e algumas respostas provisórias

Podemos fazer piadas preconceituosas?
Poder, podemos, sou contra qualquer tipo de patrulamentro ideológico. Mas acho importante a consciência de que esse é um gênero de humor meio covarde, que atira em alguns e que poupa outros. Sem contar que não leva à reflexão, pelo contrário – quer dizer, talbvez pelo contrário não estou bem certo de que isso pode acontecer, mas corre-se o risco de se perpetuar estereótipos e rótulos. Estamos dispostos a correr esse risco?

Qual deve ser a postura do humorista?
De humildade, sempre, e de respeito à vítima da troça, ainda que ela esteja sendo feita de ridículo. Nesse caso, o respeito se demonstra pela “autoridicularização” (palavra difícil e feia, acho que nem existe) do humorista, que está sempre abaixo, no máximo no mesmo nível, do objeto da piada.

Qual é o humor para os dias de hoje?
Considerando que o humor em seu nível máximo provoca o riso e a reflexão, é hilário e destruidor... Não sei. Talvez a câmera escondida e o falso documentário de Borat, talvez algo que ainda vá surgir. Com o perdão da frase caetânica, a única coisa certa é o incerto. Se há crise de modelos em todos os campos (político, econômico, social, cultural e tal e cousa e lousa e mariposa), por que seria diferente no campo humorístico?

Um complicador é que os inimigos a serem desnudados ainda não estão suficientemente claros. O poder, alvo histórico do humor, não tem mais uma cara definida: não é o rei do bufão, não é o político do chargista. Seriam talvez as corporações, as pseudo-celebridades, toda uma gama de valores representada pela sociedade de consumo? Como simultaneamente provocar o riso, chamar à reflexão e causar o choque que as denuncia? Quem é o representante do humor dessa nova época? Seriam os documentários de Michael Moore (são de uma seriedade engraçada, vai...)? O falso documentário de Borat? A câmera escondida do Pânico – vista, claro, em seus melhores momentos, de ridicularização das celebridades? E qual o paple do humor clássico nessa renovação? Eu, que dou risada de tudo, me sinto meio bobo encerrando o texto com tantas perguntas, mas sinto que é o máximo que dá para fazer enquanto não temos um cheiro melhor das respostas.

sexta-feira, março 16, 2007

Para que serve o humor? (2 de 3)

As funções do humor
A função mais específica do humor/comédia é propiciar um momento de felicidade às pessoas. Algo, diríamos com algum verniz erudito, “para amainar a faina do viver”. Humildemente, é o que tento fazer aqui na Mundo Estranho. Uma outra função, muito mais ambiciosa, é de que a comédia provoque algo mais que o riso – que ela mova um grão de areia, disse o Luiz Alberto de Abreu, que ela mude o mundo, digo eu. Se essa função fica reservada para os clássicos (hoje já tá suficientemente difícil fazer as pessoas rirem, que dira mudar o mundo), acho que ela ajuda a entender o alcance social da comédia: dizer verdades indizíveis por outras maneiras, fazer uma crítica ampla, geral e irrestrita da sociedade em que se insere.

O riso pelo preconceito
Nesse sentido, o humor dito “preconceituoso” (zoar negros, gays, português etc.) é um humor covarde – covarde porque demole, espezinha, rebaixa alguns enquanto poupa outros (brancos, héteros, não-portugueses etc.). O humor matador é o que destrói tudo e todos, sem preservar grupo ou classe social, revelando o ridículo da vida – justamente por isso, levando à reflexão sobre ela!

Para rir com sem rir de
O segredo do palhaço, explicou Hugo Possolo, dos ator e fundador dos Parlapatões, é estar no mesmo plano do espectador. Trata-se não de expor ao ridículo mas de compartilhar o ridículo. Caso contrário, o que a gente tem é humilhação (rir de) e não humor (rir com).

Borat X Pânico
Exemplo? Para mim, essa distinção fica clara na comparação Borat X Pânico. Ambos compartilham a mesma técnica da câmera “escondida”, da confrontação e do falso documentário, mas a atitude é bem diferente. Quando Borat expõe ao ridículo (e como expõe!), o mais ridículo ainda é o personagem limítrofe, folclórico e propositadamente preconceituoso criado pelo Sacha Baron Cohen. Talvez por isso a crítica que o filme transpira (da xenofobia ao feminismo, dos bons costumes ao humor domesticado) seja tão demolidora.

Pânico, ao contrário, escorrega quando provoca: no último domingo, me lembro dos caras entrevistando uma manicure superhumilde perguntando a ela por que ela não raspava o próprio bigode. Uma agressão gratuita que tá mais para regra do que exceção no programa – tanto que é quase impossível ver um quadro deles sem sentir aquela sensação de vergonha alheia pela vítima. Prejudicada pela humilhação, a crítica têm sua força diluída: opressores e críticos da opressão igualam-se apelando ao mesmo recurso.

quarta-feira, março 14, 2007

Para que serve o humor? (1 de 3)

Para que serve o humor? Na tentativa de responder a essa pergunta, o grupo teatral Parlapatões criou um ciclo de leituras de peças cômicas, chamado de Avesso da Comédia / Comédia do Avesso. A idéia é apresentar pequenas obras de dez autores consagrados (nomes e datas no fim do post), discutindo-os posteriormente com o autor e a platéia tentando responder à pergunta que inicia este texto: para que serve o humor? Fui ao encontro de abertura e achei imperdível.

O autor Luiz Alberto de Abreu trouxe três textos de humor a partir de três suportes diferentes: o humor no melodrama (exageros tipo Joseph Klimber), o humor na cultura popular (bebendo na fonte do grotesco, do exagero, do uso de palavrões etc.), o humor nonsense (Monty Phyton e quetais). Na leitura dramatizada por atores, ficou tudo bem engraçado.

Já gostei dessa primeira parte, fiquei prestando atenção nos recursos que o cara usou para fazer graça em cada um dos gêneros. Acho que as classificações em geral e, nesse caso específico, em gêneros dramáticos, ainda que sejam abstrações didáticas, ajudam a pôr ordem no caos, a ordenar melhor nossas idéias e, no exemplo específico do humor, criar textos mais engraçados (não acredito muito em texto intuitivo, nem os humorísticos). Mas o melhor veio depois, quando o autor Abreu e o ator dos Parlapatões Hugo Possolo conduziram o debate sobre humor.

Teorizar sobre humor? Por incrível que pareça, não foi nada patético, nada que lembrasse aquele quadro hilário da TV Pirata, o “Piada em Debate”. Discutiu-se, basicamente, a função da comédia e a crise da comédia atual – acho que isso tem validade, sim. Nos próximos posts, gostaria de dividir algumas idéias com vocês sobre isso. Por enquanto, a programação. Tudo grátis, é só chegar e assistir:

Março
12 Luís Alberto de Abreu
26 Noemi Marinho

Abril
9 Flávio de Souza
23 Jandira Martini

Maio
7 Naum Alves de Souza
21 Hugo Possolo

Junho
4 Mário Viana
18 Aimar Labaki

Julho
9 Mário Bortolotto
23 Juca de Oliveira

Espaço Parlapatões – Praça Roosevelt, 158. Sempre às segundas, 21h. Tel 3258-4449