quinta-feira, novembro 30, 2006

Catadores: minha opinião

Publiquei os tópicos sobre a polêmica dos catadores porque, como ex-Ecano (e obviamente saudoso freqüentador da Festeca), esse assunto mexeu comigo. Mas acho que ele não está tão longe de comunicação e educação como se possa a princípio supor. Que mensagem estamos mandando com a proibição aos catadores (comunicação)? Que categorias mentais usamos para tomar tais decisões (socialização)? Que valores nortearam essa tomada de decisões (educação)?

Alguns pensamentos soltos sobre o tema:

1- USP = espaço público. Brasil = país pobre. Festa em espaço público tem de convivar com essa realidade. Eu acho simples assim. Quem quiser interditar entrada que a faça em espaço privado. Mas quem quer mudar o mundo não pode fugir desse diálogo necessário...

2- A lógica por trás da proibição – "fazer a balada dar certo" (sic.) – me parece que é a mesma lógica que separa a galera do abadá ("gente bonita", eufemismo para ricos) da pipoca ("gente feia", eufemismo para pobres) nos trios elétricos.

3- O direito de ir e vir não é apenas espacial, mas também temporal. Ou seja, os catadores têm direito de decidir quando começar a catar latas.

4- A comparação catadores-gente "perigosa" é descabida. Uma simples revista prévia (ou mesmo uma conversa, ou o bom senso) poderia garantir que os catadores não estivessem armados ou representassem qualquer tipo de ameaça.

5- Segurança na USP (e na sociedade em geral): não se pode partir de pré-julgamentos. Inocência presumida, isso é básico. Qualquer repressão deve ser posterior ao ilícito. E a interdição, a meu ver, não é ação preventiva, mas violação de direitos num espaço público.

6- Prevenção, para mim, é diálogo. Longe de ser panacéa, diálogo é trabalho longo, difícil e cheio de altos e baixos. Mas uma saída duradoura para esse conflito precisa ter como ponto de partida e de chegada o reconhecimento do outro e de suas necessidades. E isso, até onde eu sei, só ouvindo e falando. Mas ouvindo do que falando, eu acho.

Polêmica dos catadores: resposta da ECAtlética

Recebido também por e-mail. Omito novamente os nomes para não expor os envolvidos:

"A Q também viu os seguranças não deixando catar latinhas e veio falar comigo, conversamos e chegamos a um consenso em plena balada.

Sim, nos eventos da atlética, geralmente nao tem gente catando latinha no começo da balada. As pessoas não são IMPEDIDAS de entrar, sao impedidas de catar latinha! O espaço é público e todo mundo pode ir onde quiser. As pessoas podiam entrar a hora que quisessem. Eu e a segurança (16 seguranças) achamos mais fácil garantir a segurança para as pessoas quando não se tem um saco enorme pelo meio da balada enquanto ela está muito cheia. E outra, sempre vem algumas pessoas pedir para pegar latinhas, dizemos que elas podem pegar a partir de xis horas, lá pelas 3 ou 4, porque assim fica mais fácil para os seguranças porque a balada não está tão cheia e melhor pros próprios catadores, que não precisam ficar a noite toda na balada e pegam todas as latas do mesmo jeito.

Essas mulheres, crianças, homens podiam entrar, curtir a balada até umas 3h ou 4h, tirar sua sacola do bolso e começar a catar as latas. Não estou dizendo que roubariam alguém, mas ninguém! ninguém (nenhum aluno da eca, usp, morador de São Paulo, Brasil ou Japão!) entra com uma sacola grande antes das 3h da manhã! assim como ninguém entra com garrafa de vidro, faca, ou outra arma!

Sim, fui eu que disse que não podia entrar. Eu estava cuidando da segurança e tentando garantir que todas as pessoas da balada não fossem roubadas ou se machucassem no meio da noite, assim como tinha alguem garantindo que a sua breja estivesse gelada, que a sua música não parasse de tocar, que a luz não apagasse e que não faltasse troco para voce já de manhã.

Pense na segurança de todos porque nem eu e nem você iríamos entrar com uma sacola grande aquele horário! Se eu não pudesse garantir segurança para os ecanos não assinaria um termo de responsabilidade enviado para o diretor da ECA, para a Prefeitura do Campus e para a Guarda Universitária."

quarta-feira, novembro 29, 2006

Catadores de lata barrados na Festeca

Recebi por e-mail. Omito o nome das pessoas envolvidas para evitar constrangimentos:

Catadores são reprimidos por estudantes da USP
Atlética da ECA limita circulação de catadores no espaço da Universidade

Quase 23h, dia de festeca. Não poderia ficar porque no sábado eu acordaria cedo. Só dei uma passada após a aula. Não rolava a festa ainda, mas alguns tomavam cerveja. Eis que vejo o famoso X, "segurança" de muito tempo de nossa vivência, se dirigindo aos sempre presentes catadores de latas. "Vocês não podem ficar aqui não, tem que sair". E os "conduziu" para fora do espaço delimitado pela Atlética para a Festeca.

Quem recebeu o comunicado de impedimento foi um grupo composto por mulheres, senhoras e crianças, com a desolação e o cansaço do dia no rosto. Haviam também alguns homens, mas não os vi tomando a "chamada" – só os vi fora do cercadinho. Fui então perguntar ao Augustão o porquê da restrição aos catadores. "Só cumpro ordens", foi o que ouvi.

Bem próxima de nós estava uma menina da Atlética – até sei o nome, não cito pra não falar que sou agressivo. Ela disse: "Ah Z...não começa com esse papo... Olha a hora que é e 'eles' já querem lata". Perguntei o porquê da decisão. "Foi decisão da Atlética, a Y que decidiu". Pô, isso lá é argumento??? Insisti.

Logo apareceu um rapaz, cujo nome desconheço. Explicou pra mim "Meu, essa já é a não sei qual edição da Festeca e todos sabemos que é desagradável 'eles' ficarem passando no meio de todo mundo arrastando os sacos de lata, por isso vão ficar de fora". Como se não fosse suficiente, ele acrescentou "eles poderão trabalhar do mesmo modo, só que depois da festa, a quantidade de latas que vão pegar é a mesma. Umas seis da manhã abrimos para 'eles'".

Fui então falar com as mulheres, que já se postavam logo perto da entrada da Festa com ansiedade para entrar e, ao mesmo tempo, uma inércia de desânimo. "Esperaremos até abrir, se abrir à uma hora ou às seis...ficaremos até abrir".

O que temos aqui é uma situação de restrição de Direitos Humanos, da liberdade de ir e vir mais precisamente. O espaço não é meu, não é da menina que falou comigo, nem do X, nem da Atlética, nem do CA. É público. Se eu vestisse os catadores com terno eles passariam pela vista nada grossa da Atlética. Quem é que legisla por aqui??? Qual é nossa lei? Incomoda catadores ao lado do consumo de cerveja?

Como estudante da Escola sinto a necessidade de exprimir meu repúdio à esta atitude. Sinto tristeza de isso ocorrer na Universidade que eu estudo. Não é possível engolir um fato desse, sem tomar alguma atitude. Qual é o espírito crítico e de autonomia de ação que desenvolvemos em nossos cursos? O de assistir a violações de direitos e restrição à democracia? Que façamos algo, pelo menos discutamos isso."

terça-feira, novembro 28, 2006

Questões do mestrado (e da vida)

1- Quem determina nossas ações: nós mesmos (subjetivistas), as regras da sociedade (objetivistas) ou uma interação das duas coisas (praxiologistas)?

2- Tomamos nossas decisões baseados na nossa experiência passada (Bourdieu), na situação presente (Lahire) ou em um projeto futuro (Sartre)?

3- Temos uma identidade e um jeito de ser uno (Bourdieu) ou variável conforme nossos papéis sociais (Lahire)?

quinta-feira, novembro 23, 2006

Pequena Miss Sunshine

Se você não assistiu, melhor não ler, talvez. Tem uns spoilerzinhos...

Filme muito bacana. Uma família de disfuncionais, cada um disfuncional a seu modo. No começo, todos tentam se enquadrar, com teimosia e persistência – um viaja de lambreta para tentar seu programa de auto-ajuda, outro faz voto de silêncio até entrar na Força Aérea, um terceiro, por causa do amor não correspondido, tenta o suicídio (nada resta na impossibilidade de se enquadrar).

A exceção é o vovô, a meu ver a figura central do filme. Sua personalidade ecoa também no jeito de ser da mãe, mas o velho, para mim, é o cara. Expulso do asilo por usar heroína, agora só quer saber de cheirar e comer mulher. Seu estilo, por hedonista que seja, passa a moral central para transformação familiar: fodam-se os outros, tente ser você, seja você.

No final, a teimosia e a persistência continuam, mas agora na afirmação de identidades individuais livres de regras de oconduta, coerções e julgamentos. No final redentor, os superfreaks mandam a sociedade se fuder, literalmente. Uma materialização do que todos nós (ou será que só eu?) gostaríamos de fazer.

O problema é que a vida continua depois dos créditos...

quarta-feira, novembro 22, 2006

Ser humano = ser do mal?

Reflexão a partir do texto Somos muito safados?, artigo de duas partes do publicitário José Roberto Whitaker Penteado, publicado no jornal Propaganda e Marketing (1ª parte, fraquinha, aqui. 2ª parte, melhor, aqui).

Discutindo a lista da Transparência Internacional sobre a percepção de corrupção em 163 países, Penteado lembra que o Brasil estava "lá no meio, no 70º lugar; portanto há quase uma centena de nações com maior índice de safadeza [ou de percepção da safadeza] do que o nosso [incluindo os argentinos em 93º lugar. Viva]."

Ok, trivial. O que me levou a refletir foi o seu testemunhal e seu juízo de valor sobre a natureza do ser humano:

"Vivi algum tempo na Suiça, país considerado muito certinho, honesto, cumpridor, etc etc e fiz uma constatação estranha. De um modo geral (jamais se deve generalizar), as pessoas respeitavam as leis quase cegamente, mas – desde que não estivessem fazendo alguma coisa ilegal – não tinham qualquer escrúpulo em prejudicar, maltratar ou espoliar os semelhantes. Estudante – e pobre – passei por diversas inconveniências por causa disso, até me adaptar à malandragem local. Para não ser injusto com os suiços – entre os quais conto com bons amigos – ouvi observações semelhantes sobre a maioria dos países europeus e seus povos."

O ser humano é bom ou mal por natureza? Aliás, ele tem natureza – ou é tudo adquirido pela socialização (integração do indivíduo ao grupo)? Hobbes (acho que foi ele, ou algum outro clássico) disse que o estado de natureza do ser humano é a guerra civil. E que o Estado foi criado para evitar que os indivíduos se matem. Viver junto, então, é basicamente uma questão de segurar a onda e controlar impulsos primitivos.

Dá para ser feliz assim? Quem sabe com muita terapia para racionalizar o que é inconsciente? Anarquistas, como poderemos viver sem governo? Otimistas, como acreditar que o ser humano é bom? Subjetivistas, como prescindir do recalque da consciência coletiva?

Quero viver em sociedade, mas sem recalque, sem a necessidade de leis, ociosas porque o ser humano é bom – se não for por natureza, que seja por ele ele é socializado para o bem, o que dá no mesmo. Quem souber como conseguir isso, por favor, me conte.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Lições do professor do ano

Nos Estados Unidos, um professor de mídia, quem diria, ganhou o prêmio de Melhor Professor do Ensino Médio Nacional em 2006. Alan Weintraut é o cara, professor da Annandale High School na cidade de Annandale, no estado da Virgínia. Entre suas atribuições está a coordenação das edicões impresa e online do jornal estudantil A-Blast. Seu discurso de agradecimento está no site do Poynter Institute (em inglês). Destaco alguns trechos interessantes:

1- Adolescentes e a mídia impressa De acordo com uma recente pesquisa do Instituto Pew, hoje apenas 40% dos adultos americanos diz ter lido um jornal no dia anterior (em 1965, esse índice era de 71%). E um recente estudo do Instituto Carnegie mostrou que os adolescentes praticamente não lêem nenhum jornal.

2- A crise do jornalismo de TV Jornalistas “de verdade” (Cronkite, Murrow e Koppel) deram lugar a caras bonitas de aceitação previamente testada em pesquisas do tipo “focus group” (Cooper, Couric). O jovem, especialmente o aspirante a jornalista, se sente perdido com essa falta de modelos a seguir.

3- Adolescentes e a nova mídia Eles – assim como nós – querem notícias sob encomenda. Eles lêem blog, posts do listserv e notícias como nós fazemos. “Eu vejo o declínio na leitura de jornal, mas é altamente duvidoso dizer que os jovens não se importam com as notícias”. "Quando o “caçador de crocodilos” Steve Irwin morreu", diz Alan, "eu fiquei sabendo primeiro por uma mensagem de um aluno."

4- O professor como mediador da relação aluno-mídia
– Estudantes querem estar conectados a notícias que impactem suas vidas, mas às vezes eles precisam de nossa ajuda para serem desviados do Sudoku e de distrações similares.
– Nos ajudamos os estudantes a construir significados em seus mundos saturados de mídia
– Eles registram suas vidas com músicas, filmes e fotos de cada conquista. Algumas vezes, eles colocam tudo isso imediatamente na Web, para terem um feedback imediato, para re-reconstruir significado (Eu: que exemplo bacana da recepção como processo e não como momento, né!)
Beijos, bom fim de semana, bom feriado!

terça-feira, novembro 14, 2006

Segredos de uma boa história

Por John Brady, consultor da Brady & Paul Communications e colunista da revista Folio:, especializada em mercado editorial. Síntese de Bia Mendes, da Secretaria Editorial da Editora Abril:

"O principal elemento de uma boa história é uma boa idéia. A composição final:
50% – idéia
20% – reportagem
20% – visual
10% – texto
10% – edição"


Ele arremata dizendo que, às vezes, 100% não é suficiente (faça a soma e obtenha 110%). Você concorda?

sexta-feira, novembro 10, 2006

Viva as cotas

Do Blog do Emir de hoje, "Guia para ser ex-esquerdista", irônico artigo bastante descontrolado como um todo (defender Stálin não dá), mas com ao menos uma opinião com a qual concordo. Sobre cotas:
"Órgãos da mídia privada estão apinhados de ex-comunistas, ex-trotskistas, ex-esquerdistas em geral, “arrependidos” ou simplesmente “convertidos”". Para ser ex-esquerdista, é preciso "Pronunciar-se contra as cotas nas universidades, dizendo que introduzem o racismo numa sociedade organizada em torno da “democracia racial” – uma citação de Gilberto Freire e o silêncio sobre Florestan Fernandes são bem-vindos –, que o mais importante é a igualdade diante da lei e a melhoria gradual do ensino básico e médio para que todos tenham finalmente – vai saber quando, mas é preciso ter paciência – acesso às universidades públicas. Dizer, sempre, que o principal problema do Brasil e do mundo é a educação. Que empregos há, possibilidades existem, mas falta qualificação da mão-de-obra. Que o principal não são os direitos, mas as oportunidades – falar da sociedade norte-americana como a mais “aberta”."

quinta-feira, novembro 09, 2006

Duas coisas que eu adoro... e uma que eu odeio


No Zorra Total:
Adoro...
– Severino (Paulo "cara-crachá" Silvino) (na foto, como a inesquecível boneca da Escolinha do Barulho. "Dá uma pegadinha!", um clássico)
– Dona Gislaine ("Isso não te pertence mais!")

Odeio...
– Patrick ("Olha a faca!")

terça-feira, novembro 07, 2006

Homerismos: lingüiça


Em "A Star is Torn", Lisa participa do concurso de cantores Li'l Starmaker, paródia de American Idol. Cansada dos métodos truculentos de seu empresário, compositor – e pai – Homer, Lisa resolve dispensar o gorducho, que se revolta:
– Você gosta de lingüiça, mas não quer saber como elas são feitas!
– Não gosto de lingüiça!
– Então gostaria de saber como elas são feitas?

segunda-feira, novembro 06, 2006

Brechas, frinchas e atalhos

Do livro Comunicação e Educação – A Linguagem em Movimento, de Adilson Citelli:

1- O discurso da mídia (ou de um meio de comunicação específico) não é uno, nem coerente o tempo todo. Existem as brechas:
"Eis um dos movimentos complexos que marcam os sistemas de comunicação: eles também possuem fraturas no interior das quais os discursos podem sobrepor-se, reconfigurando sentidos. Infelizmente, no mundo pequeno, nem todos podem ler, ver ou escrever nos desvãos da centralidade." (p. 235)

2- A produção de sentidos se dá no social, "o terreno vivo onde pulsam os sujeitos sociais em suas circunstâncias históricas":
"Talvez, pelas artimanhas reservadas pelos mecanismos de produção dos sentidos e suas conseqüências no terreno das ações humanas, as frinchas, os atalhos e os intervalos possam ser colocados como princípios de esperança diante dfo que se insinua como o poder absoluto dos meios de comunicação." (p. 237)