sexta-feira, março 16, 2007

Para que serve o humor? (2 de 3)

As funções do humor
A função mais específica do humor/comédia é propiciar um momento de felicidade às pessoas. Algo, diríamos com algum verniz erudito, “para amainar a faina do viver”. Humildemente, é o que tento fazer aqui na Mundo Estranho. Uma outra função, muito mais ambiciosa, é de que a comédia provoque algo mais que o riso – que ela mova um grão de areia, disse o Luiz Alberto de Abreu, que ela mude o mundo, digo eu. Se essa função fica reservada para os clássicos (hoje já tá suficientemente difícil fazer as pessoas rirem, que dira mudar o mundo), acho que ela ajuda a entender o alcance social da comédia: dizer verdades indizíveis por outras maneiras, fazer uma crítica ampla, geral e irrestrita da sociedade em que se insere.

O riso pelo preconceito
Nesse sentido, o humor dito “preconceituoso” (zoar negros, gays, português etc.) é um humor covarde – covarde porque demole, espezinha, rebaixa alguns enquanto poupa outros (brancos, héteros, não-portugueses etc.). O humor matador é o que destrói tudo e todos, sem preservar grupo ou classe social, revelando o ridículo da vida – justamente por isso, levando à reflexão sobre ela!

Para rir com sem rir de
O segredo do palhaço, explicou Hugo Possolo, dos ator e fundador dos Parlapatões, é estar no mesmo plano do espectador. Trata-se não de expor ao ridículo mas de compartilhar o ridículo. Caso contrário, o que a gente tem é humilhação (rir de) e não humor (rir com).

Borat X Pânico
Exemplo? Para mim, essa distinção fica clara na comparação Borat X Pânico. Ambos compartilham a mesma técnica da câmera “escondida”, da confrontação e do falso documentário, mas a atitude é bem diferente. Quando Borat expõe ao ridículo (e como expõe!), o mais ridículo ainda é o personagem limítrofe, folclórico e propositadamente preconceituoso criado pelo Sacha Baron Cohen. Talvez por isso a crítica que o filme transpira (da xenofobia ao feminismo, dos bons costumes ao humor domesticado) seja tão demolidora.

Pânico, ao contrário, escorrega quando provoca: no último domingo, me lembro dos caras entrevistando uma manicure superhumilde perguntando a ela por que ela não raspava o próprio bigode. Uma agressão gratuita que tá mais para regra do que exceção no programa – tanto que é quase impossível ver um quadro deles sem sentir aquela sensação de vergonha alheia pela vítima. Prejudicada pela humilhação, a crítica têm sua força diluída: opressores e críticos da opressão igualam-se apelando ao mesmo recurso.

Um comentário:

Anônimo disse...
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